A geladeira da vovó.

Não me recordo de ter visto meu avô chorar no funeral da minha avó ou em qualquer outra ocasião nos últimos dias dela. Ele parecia ter assumido o encargo de consolar a todos. Mas, certa noite, depois do enterro, vi meu avô chorar diante de uma velha geladeira, ao ver tudo o que a vovó tinha colado nela. A geladeira estava coberta de lembranças da vida de minha avó. Quando meus avós se casaram, compraram a geladeira de segunda mão. Minha avó se propôs a pintá-la de uma estranha cor amarela que nunca vi em nenhuma outra geladeira. (Acabou pintando também o chão, alguns outros móveis e um vestido novo.) Mas só vimos a estranha cor amarela quando a geladeira quebrou e precisou de uma peça nova, e a vovó tirou tudo que estava colado nela. A cor estava escondida porque minha vó a cobrira com todo tipo de coisas: uma história em quadrinhos interessante recortada do jornal, um ditado conhecido, a foto do meu pai, escrituras para decorar, a papeleta da lavanderia, a propaganda de um produto, uma carta a ser respondida, uma receita, a lista de compras, a lista de telefones de amigos e até nossos boletins. À medida que fomos crescendo, ela foi acrescentando listas de tarefas da semana, compromissos e mensagens para a família. Ela não tinha um quadro-negro nem um quadro de avisos, por isso também grudavam gravuras do evangelho na geladeira. Em junho, o mês dos namorados, minha avó colava na geladeira um grande coração com o nome de cada um escrito nele; em março, a foto de seu casamento e uma lista de coisas que ela gostaria de ganhar no seu aniversário. Junho era dedicado ao meu pai, porque é o mês do aniversário dele, ela fazia o mesmo para cada um de nós, no respectivo mês em que tínhamos nascido. Em setembro, era uma bandeira do Brasil. Em novembro, o mês em que meus avós se lembravam dos antepassados, vovó colava retratos de entes queridos, criando a oportunidade de falar deles. Em dezembro, ela exibia um pequeno presépio feito de pano. Sempre que um de seus filhos saía em missão nas forças armadas, vovó colava a fotografia do militar na geladeira, e não a tirava dali até que ele voltasse. Quando o único irmão de Minha avó morreu, ela colou na geladeira uma fotografia que tiraram juntos, e nunca mais a tirou dali. Ela nunca disse nada, mas quando a víamos contemplar tão intensamente a fotografia, sabíamos o quanto seu irmão significava para ela. Juntas, a geladeira e minha avó uniram a família. Hoje, em minha própria casa, há uma geladeira que, embora seja nova e não tenha uma estranha cor amarela, está aprendendo seu dever de unir e ensinar a família. A velha foto do casamento de meus pais, outra de minha tia e as obras de arte sem forma definida de meus sobrinhos estão coladas nela. E quando vejo essas coisas, penso na minha avó e agradeço a ela por ter-me ensinado a compreender como uma geladeira pode nutrir de muitas outras maneiras além de manter a comida refrigerada.

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